MODERNOS OU PÓS-MODERNOS?

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Yvisson Gomes dos Santos*

Inquieta-nos (pluralizo o verbo) a ideia de comentar sobre nossa possível pós-modernidade e sua viscosidade fluida. Quando falo sobre fluidez, me refiro a Zygmunt Bauman e seus escritos líquidos – já decantados pelos meios acadêmicos em demasia. Pergunta-se: ainda estamos na órbita do moderno? Acaso não: seremos pós-modernos?

Quando se trata de definir a palavra modernidade, toda uma sorte de filosofias desde o Iluminismo acusa o homem de ser único, senhor de sua razão (Lógos; Ratio), dono de seu alqueire psíquico. Chegando a esse ponto, a desmedida ou hubris, do grego, não encontra ancoragem. O que se faz presente é o cogito cartesiano do “penso, logo existo”. Ou as dimensões kantianas de sensibilidade e temporalidade: é o “a priori”, ou o “a posteriori” do construto pensante do sujeito. A razão predomina na modernidade em sua pureza feito pedra de tolo, alguns dirão.

Entretanto, estamos sobrevindos em uma era de deslizes, de desconfiança, de rupturas que nasceu em meados dos anos 60 do século passado (ou um pouco antes). A questão é: de fato, somos modernos ou pós-modernos? E qual a implicação, à nossa subjetividade, desses dois sistemas conjecturais?

O lugar que cabe ao sujeito nesse século 21 recorre-o a ser contingencial. Vamos ao termo: a contingência é algo que pode ou não acontecer: um lapso de memória pode ser contingencial; um abraço afetuoso também. Ambos os exemplos nos mostram que nada se define por concreto e sim em devires, ou seja, posso lembrar e esquecer, ou posso ter afetos diversos em um abraço. 

Claro que as ilustrações são bem-vindas, mas quando as mesmas querem nos fazer pensar sobre elas, desconstruí-las, dar-lhes novos sentidos e afecções poderá, possivelmente, ser uma manobra pós-moderna (a psicologia dos afetos pode nos ser útil nesse sentido).

Que tal Sartre? Se formos senhores de nossa existência, se a nossa existência precede a essência, sabemos que o que resta será somente eu/você/nós, sem o aval de um Dom Quixote e de seus moinhos de ventos. Nós como categoria humana, fortemente humana, que se despede da eventual culpabilidade alheia (por que culpar o outro pela nossa liberdade ou falta dela?), seremos responsabilizados pela nossa e excelentíssima existência. 

Ora, se pensarmos bem, isso talvez custe muito, mas é “necessário” (diferentemente do contingencial), recorreremos às palavras de Sartre com facilidade: “O Homem é tão-somente, não apenas como ele se concebe, mas também como ele se quer; como ele se concebe após a existência, como ele se quer após esse impulso para a existência” (p. 04).

Nesse vem e vai de certezas e dúvidas, restam-nos a nossa existência, nada pueril, mas da “subjetividade que nos acusam” (p. 04) – mas uma vez retornando a Sartre. 

Estamos fadados a essa corda da liberdade como queria Antônio Abujamra (ator), e nós podemos não saber: essa fatalidade é destino, não como ambicionavam os helenos (ananké), mas como desejamos que seja: a responsabilidade perene de nossas ações com uma pitada de capacidade do sujeito em encarar que seu mundo externo e/ou interno poderá ser compartilhado, questionado, espezinhado e trucidado, contudo a responsabilidade consigo partirá de si mesmo, ou seja, da liberdade crua e escatológica que a existência nos dar.

Pois é, a resposta não veio: modernidade ou pós-modernidade? Deixo a seguinte menção: penso nas posições esquizo-paranóide e depressiva de Melanie Klein, pois são posições, elas se movimentam, não estágios que são duros, secos e intercambiáveis. 

Se você/eu/nós, como sujeitos, acreditarmos estar vivendo em um mundo pós-moderno, pode-se e deve, se quisermos, transladar para uma estrutura em construção (fluídica, passageira, contingencial). Se optarmos por estar no verniz da modernidade teremos certezas, mesmo acrescidas de dúvidas (isso poderá soar heurístico – não há problemas). 

Amiúde, a missão tenaz que muitos fazem, ou que precisam fazer para não se deixarem esvaziar pelo enigmático obscuro da existência que angustia, poderá vir de uma técnica (psicoterapias, análises, meditações, dentre outros), ou da utilização necessária de alguma dose de criticidade (inquietar-se pensando e criticando-se continuadamente).
 
Referência
SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um humanismo. 4. Ed. Lisboa: Presença,  1978. 

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*É psicólogo (CRP-15/ 1795)