Considerações sobre o “Mestre Ignorante” de Jacques Rancière: ou o saber vacilante*

Yvisson-Gomes-dos-Santos

por Yvisson Gomes dos Santos (CRP-15/1795)**

O tema central da obra de Rancière é sobre um professor francês que ministra aulas aos seus alunos holandeses. Ele se surpreende com a capacidade dos mesmos em atingir a compreensão da língua francesa, sem que o mestre saiba dessa capacidade de conhecimento dos mesmos. Como pode um mestre ignorante ensinar a outro ignorante?

A concepção do texto versa sobre a aprendizagem embrutecedora, em que o mestre precisa ensinar alguma coisa a seus alunos e eles necessitam desse mestre para aprender. A articulação proposta pelo autor é de que somos capazes de conhecer e nos emanciparmos intelectualmente da sombra do professor ignorante. A pista nos é dada pela engenhosidade dos alunos holandeses em fazer uma atividade solicitada pelo professor na língua materna daquele, e estes alunos obterem êxito em seu trabalho.

Rancière nos mostra que a capacidade do sujeito se emancipar parte de si mesmo, sendo que ele não necessita de um mestre, a priori, que o dirija, que o elucide, mas que já está ali a possibilidade de emancipação intelectual dos mesmo. O ato de educar necessita dessa liberdade e dessa antevisão do saber que existe em cada um de nós. Observou-se a utilização do ensino universal que diz que podemos alcançar uma igualdade de inteligência quando tomamos atitudes não tuteladas. Para Rancière a maiêutica socrática não tem razão de ser, cabendo ao aluno a descoberta – desbravar seus conhecimentos e se autorizar conhecedores, sem a hegemonia do mestre que dita alguma coisa e que leva o aluno a um caminho esclarecido.

O mestre para a psicanálise parte de um estatuto enganador e problemático. Ele não detém o conhecimento como se fosse possuidor do tesouro dos significantes. O mestre nada mais é que ignorante, no sentido de ignorar as potencialidades do outro, de verificar que na alteridade ali se estabelece as relações de independência. Ora, quando um significante mestre se desdobra em outros, não mais sabemos onde isso irá parar, a cadeia é ad infinitum, que muitas vezes esgarça-se e se distende na esfera psíquica e intelectual. Esse sujeito sabe sem saber que sabe.

O professor de Rancière se surpreendeu. O Telêmaco era o livro que poderia ajudar na língua francesa aos seus alunos holandeses, mas foi um pretexto para mostrar que o conhecimento intelectual dos mesmos foi além do esperado.

A surpresa do professor pôs por fim o saber hegemônico do mesmo. Os seus discentes construíram concatenações de significantes que desaguariam em mais e mais significantes. A ideia subjacente é que todos nós temos potencialidades intelectuais e que não poderá haver discriminação entre os indivíduos.

Somos alavancados do inominável para o dito e interdito pelo processo da educação. Educare, do latim, nos convida a cultivar e também a cuidar. A palavra cultura vem desse verbo, e quando falamos de cultura não queremos aqui nos referir a algo desnaturalizado de nossa relação, de erudição sintomática do academicismo, mas nos referimos ao cultuar o saber e de não sermos indiferentes a proposta de Rancière que é a de uma emancipação intelectual versos a uma cultura embrutecedora, e por que não dizer, arcaica e velha.

*RANCIÈRE, JACQUES. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica, 2007

**Yvisson Gomes dos Santos é psicólogo (CRP-15/1795) e mestrando em Educação Brasileira pela UFAL.