A Diversidade Sexual Amparada da Resolução do Conselho Federal de Psicologia (001/99) que Retina as Homossexualidades do Âmbito da Patologização

por Yvisson Gomes dos Santos*

O presente trabalho tem como norteio principal a resolução proposta pelo Conselho Federal de Psicologia (001/99), de 22 de março de 1999, na qual arregimenta que para todas as homossexualidades, visto pela articulação teórica bem como pela práxis profissional do psicólogo, deverão ser vedadas termos como perversão, distúrbio, anormalidade e/ou patologia ao público GLBTT. A compreensão de diversidade pela referida resolução está pautada na qualidade de diverso, de variedade e de multiplicidade, na qual tais elementos cruzados aqui, neste texto, referenciam-no no âmbito da sexualidade e de suas manifestações e, também, na perspectiva da atuação do profissional psicólogo como um leitor atento aos elementos inerentes da modernidade que lidam com a prevalência dos direitos biopsicossociais das homoafetividades (FOUCAULT, 1991; BARTHES, 1988; BIRMAN, 2001). A resolução do CFP diz que o psicólogo deverá evitar estigmatizações referentes a práticas homoeróticas e principalmente banir o termo “cura”, sabendo deste então que não se pode referi-las como doença.  Nas considerações preliminares da lei subscreve-se de que a noção de perversão, anormalidade e patologia direcionadas à homossexualidade serão cabalmente eliminadas, competindo ao psicólogo esclarecer esse tema e evitar qualquer forma de discriminação e preconceito. Convém lembrar que antes se escrevia “homossexualismo”, grafia que foi abandonada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) por não se tratar de doença (ismos), passando a ser escrita então como “homossexualidade”, a partir de 1° de janeiro de 1993.  Tal compreensão se avizinha de que o sentido de homossexualidade está ligado à produção histórica da subjetividade moderna, “ao homem psicológico, dotado de uma interioridade que passará cada vez mais ao longo do século XX, a ter no desejo seu segredo e sua chave interpretativa. Tal processo apoiou-se em uma intensa sexualização e medicalização dos corpos, no contexto de um biopoder, de uma biopolítica que Foucault soube tão bem caracterizar e circunscrever” (FERRAZ, 2005, p. 80). Os artigos 1° e 2°  (001/99) versam sobre os aspectos éticos da profissão de psicólogo e com estes disciplinam a não discriminalização e a promoção e bem-estar das pessoas e da humanidade, reconhecendo desta feita que os psicólogos devam contribuir, com o seu conhecimento, para a reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoafetivas. Nessa perspectiva, cabe ao profissional desta área compreender que estas práticas são inerentes a quaisquer seres humanos, sendo um direito dos mesmos expor seus desejos como possa lhes convir dentro de um “bom senso”. Segundo o artigo 4°, os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de acordo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica, observando que os profissionais da área psi não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades. É de nota que os psicólogos não exercerão qualquer ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados. O que se ressalva aqui é o termo utilizado pelo CFP 001/99, no qual as formas de homoafetividades são consideradas “homossexualidades”, ou seja, abrange as formas sexuais que se desdobram ao público GLBTT. Com esta afirmativa do referido decreto, fica claro a pertinência do mesmo, considerando que a Psicologia pode e deve contribuir com seu conhecimento para o esclarecimento sobre as questões da sexualidade, consentindo a superação de preconceitos e discriminações. De acordo com pensadores modernos, tais como Michel Foucault (1996), o homoerotismo está entranhado na história da humanidade e essa mesma história diz das relações de poder, dos dispositivos da sexualidade na visão patrilinear ocidental como a scientia sexualis, formando-se na tentativa de banir o diferente, o estranho, do cotidiano das pessoas. Estas pessoas tinham por obrigação de falar sobre sua sexualidade, segundo o francês, e desta feita serem observadas e controladas, na forma do biopoder eugenista. E qual o itinerário percorrido pelo homossexual ao longo da história? Temos recortes judaico-cristãos como o episódio da destruição das cidades de Sodoma e Gomorra (Gênesis 13:13;18:20-33), devido a práticas “sexuais ilícitas” ou, indo um pouco além, a eliminação “do amor que não ouça dizer seu nome”, segundo o irlandês Oscar Wilde (1986), caminhando aos campos nazistas, colocando os “anormais” no epicentro da intolerância. Neste, foram os aspectos da proscrição que incomodavam e que eram ameaçadores, pois mexiam com a ideologia de “pureza racial” vigente na época. A construção da dignidade homoerótica se fez ao se mostrar que qualquer forma coercitiva de poder era uma lembrança à submissão eugenista da ciência médica do século 19, vindo assim a deflagrar em preconceitos. Nos idos dos anos de 1970-80 e assim por diante, a identidade da diversidade se fez presente. Sair do armário virou um lema norte-americano e mundial e fez com que militantes gays se colocassem como partícipes de sua própria história. O verdadeiro gay power  foi se formando e estabelecendo a raiz daquilo que viria a ser a erradicação das leis que teriam como pressupostos básicos a patologização das manifestações homoafetivas. Segundo João Silvério Trevisan (1986, p. 470), semelhante ao processo de um retorno do recalcado e do medo desse, a “sociedade (no Brasil) viveu a ‘liberação sexual’ como resultado direto de uma demanda sexual longamente reprimida. Talvez porque seja medíocre, talvez porque tenha medo do seu próprio desrecalque, o pensamento conservador teima em ignorar essa lei física que envolve o recalque”. Daí o CFP e sua lei 001/99, a se conscientizar das novas epistemologias que se tornavam necessárias à modernidade. Cabe frisar que as resoluções contra a discriminação da alteridade (gay), entendendo-a como concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem interage e interdepende de outros indivíduos, que ao mesmo tempo pode ser o igual, pois não podemos elidir algo que é inseparável ao nosso meio social, que essas resoluções mesmo assim, não impedem de haverem manifestações de preconceitos contra os homossexuais e afins (homofobia), e isso deve sempre estar claro aos psicólogos como um alerta de que a mudança de pensamento se dará de dentro para fora, requerendo de nós, e da sociedade como um todo, um ajuste de comportamento pautado na dignidade e no conhecimento da liberdade de expressão sexual através de uma auto-análise e de uma visão ideológica plurirreferenciada com finalidade a uma prática profissional mais consciente. Não se pode deixar de pinçar de que a identidade da homoafetividade, enquanto elemento epistêmico atual é uma insígnia da modernidade, no sentido de sua escritura e de sua identidade, e nessa perspectiva o olhar se volta ao que Britzman (1996, p. 73) enfatiza e afirma que: “[…] quando se trata de questões de desejos, de amor e de afetividade a identidade é capaz de surpreender a si mesma: de criar formas de sociabilidade, de política e de identificação que desvinculem o eu dos discursos dominantes da biologia, da natureza e da normalidade”.  Para tal afirmativa podemos supor de uma necessidade de identidade sexual no sentido de construções sociais, a priori, mutável e volátil. Esta identidade sexual, segundo o mesmo autor, “está sendo constantemente rearranjada, desestabilizada e desfeita pelas complexidades da experiência vivida, pela cultura popular, pelo conhecimento escolar e pelas múltiplas e mutáveis histórias de marcadores sociais como gênero, raça, geração, nacionalidade, aparência física e estilo popular” (op.cit, p. 74). Uma das formas de aceitação da formação do gay, na atualidade brasileira, diz respeito ao Supremo Tribunal Federal (STF) em reconhecer, por unanimidade, a legalidade da união estável entre homossexuais como uma conquista histórica. Visto ser uma luta de mais de 15 anos para ser considerada aceita a referida união estável, por um lado marca grande avanço, mas por outro, permeia uma aura de insatisfação no meio GLBTT, posto que no atual estágio da humanidade, o Ordenamento Jurídico Brasileiro ainda não reconheceu o casamento, no civil, entre homossexuais. Sigmund Freud, numa Carta a uma mãe americana (1935) discorre o seguinte: “O homossexualismo [s.d] não é vício nem degradação. Não pode ser classificado como doença”. Não podemos deixar de comentar de que ainda o termo homossexualismo era empregado à época do vienense, mas o conteúdo da referida carta deixa-nos conscientes de que o pai da psicologia profunda, ou como queiram da psicanálise, remete-nos a não patologia do desejo homoafetivo. Contribuindo ainda mais para os discursos proposto temos o parecer, de 1984, da Associação Brasileira de Psiquiatria que aprovou a seguinte resolução, no qual considera de que a homossexualidade em si não implica em prejuízo do raciocínio, estabilidade, confiabilidade ou aptidões sociais e vocacionais, razão pelo qual se opõem a toda a discriminação e preconceito, tanto do setor público quando do privado, contra os homossexuais de ambos os sexos (ABP apud MOTT, 2003). A questão da homossexualidade é fundamental a fim de possibilitar a cada pessoa a busca de um reconhecimento das suas próprias demandas e, por conseqüência, a aceitação e o respeito às diferenças. Cabe frisar que o diferente, pela dedução psicológica, parte do pressuposto de que o estranho, a posteriori, deve ser compreendido e assimilado no contexto da realidade social. Tal contexto tem o status quo como norteio para as representações sociais (MOSCOVICI, 2001), entendendo-as como paradigmas que se constroem através dos papéis sociais, ou seja, cada sujeito tem uma determinada função dentro da organização social, basta somente verificar que a funcionalidade dos papéis sociais não são estanques, ao contrário, necessitam de flexibilidade, de contingência para se adaptarem às diversas situações.  Esta mutabilidade conduz o estranho a fazer um movimento gregário, principalmente, em torno das diversidades. Este volteio faz com que surjam grupos e suas idiossincrasias com uma identidade própria. O que ocorre desde então será a visibilidade dos pequenos grupos, que se misturarão em muitos, formando os microgrupos aos macrogrupos, dentro do contexto das representações sociais. Com relação a elas, podemos dizer que são “conjuntos dinâmicos, tendo o seu status o de uma produção de comportamentos e relações com o meio, o de uma ação que modifica uns aos outros e não de uma reprodução, nem o de uma reação a um estímulo exterior determinado” (MOSCOVICI, 1974, p 123). Nesse enfoque as homoafetividades enquanto status sociais tornam-se visíveis graças às articulações feitas pelos movimentos pró-gay, bem como as escansões do que antes era patologia, contribuindo com os discursos  psicológicos e médicos que vêem a sexualidade entre iguais como um  novo modelo de compreensão dos direitos reservados a estes sujeitos. A partir desta tessitura dialógica, os profissionais da psicologia assumiram, dentro de suas práxis, o princípio ético da ampliação da discussão voltada para o esclarecimento da livre expressão homossexual, dissolvendo mitos e preconceitos, reconhecendo as diferenças e variações do ser humano, não perdendo de vista a proposta do trabalho psicoterapêutico de melhoria da qualidade de vida dos pacientes em tratamentos clínicos e /ou sociais. Com a Resolução N° 001/99, o Conselho Federal de Psicologia, com uso das suas atribuições legais e regimentais, trouxe à tona a dialética dos dias atuais na percepção das individualidades prementes a cada sujeito, mas também arregimentou, dentro do processo moderno, a erradicação, tanto teórica, quando prática, no sentido de acting out, da homofobia. No entendimento deste decreto e da atitude coerente do CFP, cabe-nos dizer que os termos cunhados de patologia e perversão às homossexualidades estão desde o ano de 1999, para os psicólogos, vedados, e terminantemente proibidos de serem vistos como tais.  Ora, com esta assertiva podemos dizer que, com o objetivo prático, a construção de uma realidade comum a um conjunto social específico, é onde residem as chances de transformar, ou pelo menos, de entender as translações do pensamento social vigente. O gênero homoafetivo e outros gêneros, na linha de pensamento das representações sociais, poderão ser vistos “como um corpus organizado de conhecimento e uma atividade psíquica graças às quais os homens tomam a realidade física e social inteligível, se exigindo num grupo ou numa relação cotidiana de trocas, liberando, desta feita, o poder da sua imaginação” (JODELET, 1989). Quando não apreciado pelos sujeitos a assertiva exposta acima, poderá ocorrer um processo de desumanização da causa homoafetiva. Basta entender que desumanizar envolve negar a identidade da pessoa, não percebê-la como indivíduo ou como membro interconectado com outros grupos, a caracterização pictórica destes indivíduos pode ser vista como monstruosa, animal e demoníaca.  Com o advento da modernidade amparada nas conquistas de alguns direitos recentes, pode-se dizer que os homossexuais estão delineando seu espaço na sociedade brasileira, em especial. A expressão de preconceito contra o grupo, que antes era bastante flagrante e representava um teor desumanizador vem se tornando cada vez mais “anti-normativo”, mas ao mesmo tempo “infra-humanizadora” (SANTOS et.ali, 2007). As homossexualidades podem ser vistas como caracteres de natureza humana que refletem socialização, moralidade, cultura, refinamento que, por sua vez, podem variar de acordo com modos e costumes da sociedade. Sabendo-se que os elementos supracitados não estão homogeneizados na cultura mundial, faz-se um adendo de que quando nos referimos aos traços de juízo de valores nascidos da própria “ontologia gay” (termo nosso), queremos dizer que dentro dos micro e macrogrupos as homossexualidades são heterogênias (gays, lésbicas, transexuais, bissexuais e travestis), mas com um traço particular de desejo, de demanda frente aos seus imperativos subjetivos. Quer-se dizer que com as diferenças produzimos um manancial de informações antropológicas da outricidade acerca do devir na modernidade. Em outras palavras, ao assumir uma identidade gay, deve-se observar que apesar das diferenças dos indivíduos e grupos, mesmo assim, eles se encontram numa ilação de união, sendo esta regida pela batuta das leis pétreas, e das resoluções e projetos de leis que visam à melhoria e possível estabilidade do “diverso” dentro de um conjunto igualitário (uma questão ainda utópica). As normas regimentais que povoam a assim dita consciência dos direitos aos iguais, trouxeram posteriormente a inclusão da criminalização a posturas homofóbicas (PL 122, atualmente em discussão no Brasil), prólogo de uma luta constante da aceitação da alteridade gay frente às diversidades sexuais humanas e, concomitantemente, sociais.

*Yvisson Gomes dos Santos (CRP-15/1795) é psicólogo formado pelo CESMAC – FEJAL e especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pela UNICID e AAL. E estudante de Filosofia pela UFAL (yvissongomes@hotmail.com).

– Resumo Expandido para o Seminário Gênero, Sexualidade e Cidadania: debatendo a Homofobia em Alagoas ocorrido em Maceió/AL pelo Núcleo de Estudos Mandacaru (UFAL), em 2011. Publicado em meio digital pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL com o ISBN 22377565.