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Contra os Retrocessos da Política Nacional de Saúde Mental

Leia a nota de Posicionamento do Sistema Conselhos de Psicologia frente aos Retrocessos da Política Nacional de Saúde Mental

Nota de Posicionamento do Sistema Conselhos de Psicologia frente aos Retrocessos da Política Nacional de Saúde Mental

Desde a década de 1980, a Psicologia tem participado ativamente dos movimentos de Reforma Sanitária e de Reforma Psiquiátrica Antimanicomial que possibilitaram a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e a implantação de uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), comprometidos com a produção do cuidado em liberdade, da cidadania e da saúde das pessoas com sofrimento mental. Ao longo deste tempo, a Psicologia tem lutado e reafirmado o seu compromisso com estas políticas públicas de saúde em seus esforços de promoção de justiça social e de afirmação dos direitos humanos.

Sem esquecer dos efeitos nefastos do abandono, da violação de direitos e dos maus tratos nas vidas das pessoas internadas em hospitais psiquiátricos e atentos às formas contemporâneas de segregação, psicólogos e psicólogas, aliados a outras trabalhadoras da saúde mental, familiares e usuárias dos serviços de saúde mental, têm contribuído para a sustentação de um modo de atenção em saúde mental na RAPS capaz de proporcionar o cuidado necessário e o respeito às diferentes e singulares experiências da loucura, do sofrimento psíquico e dos sofrimentos decorrentes do uso problemático de drogas. No campo acadêmico, psicólogas e psicólogos têm produzido conhecimentos comprometidos com ampliação da compreensão da loucura e do sofrimento psíquico. Na arena política, psicólogas e psicólogos têm se alinhado a diferentes lutas sociais que buscam assegurar a liberdade, a dignidade, a cidadania e a vida das pessoas com sofrimento mental.

Transcorridos aproximadamente 30 anos de implantação de uma Política Nacional de Saúde Mental, construída de forma coletiva e participativa, graves retrocessos têm se apresentado em portarias do Ministério da Saúde, especialmente a Portaria nº3588 /2017, que propõe o retorno de uma política centrada nos saberes, poderes e práticas psiquiátricas. Reafirmando o hospital psiquiátrico como o território principal de tratamento e valorizando as práticas ambulatoriais que reforçam os saberes dos especialistas, estas portarias favorecem o modo de atenção com características excludentes, com práticas médico-centradas, que fragilizam o cuidado integral, em rede, em equipe e produzido com a participação de familiares e de pessoas com sofrimento mental. A complexidade do fenômeno da loucura exige uma abordagem psicossocial que considere a existência concreta dos sujeitos e seus sofrimentos.

Além disso, há retrocessos inquestionáveis na Política Nacional sobre Drogas no Brasil. Sintetizada pela Resolução 01/2018 do Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas (CONAD), há uma “guinada à abstinência”, que reconstrói o estigma de que todo e qualquer uso de substância psicoativa causa sofrimento psíquico e social e consequentemente precisa ser medicado e ter tratamento segregado nos hospitais psiquiátricos ou ambulatórios especializados. O proibicionismo, sustentado pela racista e genocida guerra às drogas (e aos pobres), tem se fortalecido em contraposição da Política de Redução de Danos: é preciso fortalecer a lógica da autonomia do sujeito em seu uso e, se necessário, do cuidado no território e em liberdade.

O Sistema Conselhos de Psicologia tem, portanto, atuado em defesa da Reforma Psiquiátrica Antimanicomial desde os seus primórdios, tornando-se um ator relevante nesse processo; fundamentado em referenciais científicos e orientado por uma ética inclusiva, respeita e reconhece as pessoas com sofrimento mental como cidadãs e cidadãos. Recusa referenciais que reduzem o sujeito à condição de objeto bem como a primazia de saberes que desconsideram os direitos das pessoas com transtornos mentais e das pessoas que fazem uso problemático de álcool e outras drogas. O projeto ético da Psicologia se orienta pelo reconhecimento da diversidade das subjetividades, pela possibilidade da convivência entre diferentes. Reivindicamos a atualidade e a potência da luta Antimanicomial na construção de um outro modelo de sociedade, que rompa com o modo de produção de desigualdades sociais. A luta por uma sociedade sem manicômios compreende a radicalização da democracia e da liberdade de todas as pessoas, sem deixar ninguém para trás!

A partir destas considerações, o Sistema Conselhos de Psicologia, declara:

Reconhecer que o debate sobre modos de atenção em saúde mental não envolve aspectos exclusivamente técnicos, é também um debate ético que deve considerar o ser humano na centralidade.

Compreender que uma sociedade democrática prescinde de manicômios, reconhecendo a legitimidade do outro como fundamento da liberdade para todos e todas.

Repudiar o ataque corporativista e conservador a uma das mais potentes políticas e lutas – a Luta Antimanicomial; como aconteceu no lançamento do Programa Mentalize do Ministério da Saúde, que uma corporação da Psiquiatria – ABP falou em nome de uma profissão regulamentada há 58 anos. A Psicologia fala por si mesma e rejeita que qualquer outro saber, disciplina ou instituição assuma esse lugar.

Não concordar que as práticas de atenção em saúde mental do SUS sejam definidas por uma única categoria profissional e por seu campo de conhecimento. Isso é um retrocesso para as políticas públicas e um enorme prejuízo para a população atendida.
Comprometer-se com a defesa da RAPS e com o enfrentamento cotidiano do manicômio, enquanto lógica, em suas várias formas – do hospital psiquiátrico, ao manicômio judiciário e à comunidade terapêutica.

Não aceitar os ataques às conquistas da Reforma Sanitária e da Reforma Psiquiátrica e às lutas que realizaram e realizam em defesa dos direitos, da democracia e do respeito e dignidade das pessoas.

A defesa da política de Redução de Danos, como tecnologia crítica de cuidado a pessoas que sofrem em decorrência do uso de substâncias psicoativas.

A defesa do antiproibicionismo, porque a criminalização dos usuários de drogas já se mostrou ineficaz em seu papel de controlar o uso de substâncias e plantas ilícitas. É preciso dar fim a militarização da saúde e da segurança pública no contexto das drogas, porque convergem para um processo de extermínio de pessoas que vivem em periferias, especialmente pobres, jovens e negros.

Comprometer-se, de modo inalienável, com a Reforma Psiquiátrica Antimanicomial!