PSICÓLOGOS TRAVESTIS E TRANSEXUAIS NA RESOLUÇÃO CFP Nº 014/11: OU A QUESTÃO DO ESTRANHO

foto -yvissonpor Yvisson Gomes dos Santos*

Na sigla do movimento para a diversidade sexual, lê-se: LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), observamos que à respeitabilidade a este movimento nas Resoluções do Conselho Federal de Psicologia têm avançado consideravelmente nos últimos tempos.

Desde a Resolução 001/99, decreto que deve ser costumeiramente lembrando pelos psicólogos, nas quais terminologias como “inversão” ou “doença” às homossexualidades foram definitivamente abolidas do campo legislativo e teórico-prático do CFP, no qual podemos agora afirmar categoricamente que essa postura ética e profissional coerente pertence a uma sociedade pós-moderna ou, se formos além, a de uma sociedade hipermoderna (LIPOVETSKY et ali, 2004).

Não pretendemos retomar a Resolução 001/99, fato já feito em outras ocasiões, o motivo da escrita deste ensaio é de ressaltar a visibilidade dos travestis e transexuais psicólogos através da RESOLUÇÃO CFP No 014 /11, que “dispõe sobre a inclusão do nome social no campo ‘observação’ da Carteira de Identidade Profissional do Psicólogo e dá outras providências”.

Ora, já partimos da Resolução 001/99 que fez com que a práxis do psicólogo fosse voltada e pautada na legitimidade e respeito aos homoeróticos. Isso já é uma conquista, pois, pensar “O Estranho” (termo que vamos esclarecer no transcorrer deste texto) frente à heteronormatividade, e assegurar a ambos o direito ao “discurso [que] veicula e produz poder” (FOULCALT, 1985, p. 96) deve se o ponto axial de uma sociedade democrática e cidadã, mesmo que ela tenha sido regida por normalizações e concordâncias advindas de processos repressivos.

Agora, temos entre nós, a oportunidade de com a RESOLUÇÃO CFP No 014 /11 aceitar e permitir a inclusão na carteira profissional dos CRPs o prenome do psicólogo travesti e transexual como possível e concretizável. Uma resolução que se volta aos psicólogos e entre os psicólogos.

Esta resolução contempla que em nossa carteira de identificação e filiação aos Conselhos Regionais, o psicológico transexual ou travesti possa ter seu nome social inscrito, e desta feita, ser chamado como ele deseja entre seus pares e na sua atuação profissional: quer seja com os seus pacientes e clientes, tanto na clínica, quanto nas escolas, nas redes públicas de atenção básica, dentre outros. É um direito garantido.

A importância do nome – aquele que define e marca território psíquico e social – vem a ser agora não tolerado (presumimos!), mas respeitado nas condições preconizadas pela Constituição de 1988 em seu artigo 5, no qual se ler: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Aventamos também que o “desejo do sujeito necessita ser democratizado”, e que este desejo seja uma força pulsional que possa mover a humanidade contra o preconceito, tanto pela via da “pulsão de vida” freudiana, quanto pelas “forças ativas” de Nietzsche, ou simplesmente pela busca de uma autonomia cidadã, pois estamos lidando com as filigranas do “estranho” dentro do âmbito “psi”, e que graças as resoluções do CFP, esse “estranho” não deverá ser desrespeitado ou desconsiderado na esfera da psicologia.

Quando falamos do termo “estranho”, nos referimos a um ensaio de Freud.
Citamos o psicanalista:

“A palavra alemã ‘unheimlich’ [estranho] é obviamente o oposto de ‘heimlich’ [‘doméstica’], ‘heimisch‘ [‘nativo’] – o oposto do que é familiar; e somos tentados a concluir que aquilo que é ‘estranho’ é assustador precisamente porque não é conhecido e familiar. Naturalmente, contudo, nem tudo o que é novo e não familiar é assustador; a relação não pode ser invertida. Só podemos dizer que aquilo que é novo pode tornar-se facilmente assustador e estranho; algumas novidades são assustadoras, mas de modo algum todas elas. Algo tem de ser acrescentado ao que é novo e não familiar, para torná-lo estranho” (FREUD, 1996, p. 23).

Então o não-familiar (unheimlich) forma-se subjetivamente e socialmente “o Estranho”. E ele, impreterivelmente, passa pelos vieses social, político, psíquico, sincrônico, anacrônico na construção histórica do homem.

Permitir que esse “Estranho” entre em nossas vidas é uma forma de dizer que queremos articular as idiossincrasias do “diferente” conosco, e da mesma forma de compartilhar com ele nossas idiossincrasias heteronormativas ou de outros gêneros – na qual chamamos isso de dialética.

Podemos pensar que “O Estranho” somos todos nós, algumas vezes em situações díspares (um alto, outro baixo, um gordo, outro magro etc) e outras em situações de desejo (desejo gay, desejo heterossexual, desejo bissexual etc), no qual essa analogia nos leva a nos tornarmos familiares (heimlich) em direitos e deveres com fins a uma ação cidadã. E isso é honestamente humano e adequado. Nosso respeito e admiração aos colegas psicólogos que demarcam sua identidade social na escritura “trans” através da sua carteira profissional de psicólogo.

E onde localizamos esse respaldo aos “trans” na RESOLUÇÃO CFP No 014 / 11? Para arejar a memória ou recobrá-la vamos citar, a saber:

O artigo 1º diz o seguinte: “Assegurar às pessoas transexuais e travestis o direito à escolha de tratamento nominal a ser inserido no campo “observação” da Carteira de Identidade Profissional do Psicólogo, por meio da indicação do nome social”.

O segundo artigo acrescenta: “A pessoa interessada solicitará, por escrito, ao Conselho Regional de Psicologia a inclusão do prenome que corresponda à forma pela qual se reconheça e é identificada, reconhecida e denominada por sua comunidade e em sua inserção social”.

E, por fim, o terceiro artigo oficializa: “Fica permitida a assinatura nos documentos resultantes do trabalho da(o) psicóloga(o) ou nos instrumentos de sua divulgação o uso do nome social, juntamente com o nome e o número de registro do profissional”.

Concluímos que a permissão dos prenomes dos “trans” incluídos na Carteira de Registro do Conselho Profissional da Classe é uma expressão que coteja a legitimidade da cidadania dos psicológicos “trans”, no que se refere aos avanços democráticos que nossa sociedade do século XXI vem alcançando a muito custo.

E que o prenome não seja somente circunscrito no âmbito concreto do papel, mas na consciência coletiva de todos nós, psicólogos, com o objetivo de minar preconceitos e afirmar nosso compromisso com a dignidade humana e a cidadania a todos, indistintamente. Pois como reza a Carta Magna de 1988 (frisamos): “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

*É psicólogo (CRP-15/1795).

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. RESOLUÇÃO CFP No 014 /11 – Dispõe sobre a inclusão do nome social no campo “observação” da Carteira de Identidade Profissional do Psicólogo e dá outras providências. Disponível em <<http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2011/06/resolucao2011_014.pdf>> Acesso em setembro de 2014.

FREUD, Sigmund. O estranho, 1919. In: ______. História de uma neurose infantil. Rio de Janeiro: Imago, 1996 (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud).

FOUCAULT, Michel. Vontade de saber. 8a ed. Rio de Janeiro, Graal, 1985

LIPOVETSKY, Gilles & CHARLES, Sébastien. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 2004.